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“Dominium et Domini”

  • Foto do escritor: Fernando Tietê
    Fernando Tietê
  • 15 de mar. de 2024
  • 7 min de leitura

Na semana passada recebemos o Professor Leandro Gaffo, já conhecido de nosso canal (nosso e da Produção, desde os idos dos anos 80, por ter sido nosso professor de Geografia), hoje morando no sul da Bahia, onde leciona a matéria da Retórica na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), quando ouvimos dele uma verdadeira aula magna sobre o fenômeno observado, não só de hoje em dia, mas de algum tempo já, de pessoas ligadas à extrema-direita e ao neopentecostalismo, supostamente Cristão, frise-se, abraçadas à causa (e às bandeiras) de Israel.

Segundo o Professor Leandro, ainda corriam os anos 60, no auge do regime militar, quando pastores americanos, como Billy Graham, já adeptos daquilo que se tornaria o Neopentecostalismo, foram convidados pelo Governo Militar, para ministrarem seus cultos, em terras brasileiras. Vale ressaltar, esses cultos realizados nos anos 60 receberam o clarificante nome de “cruzades”, ou cruzadas em português.


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Templo de Salomão: a sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus que foi construída em São Paulo.


Logo em seguida, surgem a Igreja Universal do Reino de Deus, e outras denominações não demorariam a seguir o mesmo caminho, com pastores como Edir Macedo, R.R. Soares, Waldemiro, Silas Malafaia entre outros.


Todas essas denominações que, a princípio pareciam ser novas linhas Protestantes do Cristianismo, pois, afora todo o mesmo histrionismo adotado por essas novas seitas[1] cristãs, o ponto principal ainda era a figura do Cristo.

 

No entanto, suas doutrinas logo se tornam mais ligadas ao Velho Testamento da Bíblia e, no decorrer do tempo, logo assumem-se mais ligadas à teoria da prosperidade, em que, em linhas gerais, a pessoa, se tivesse a graça divina, seria próspera em vida, mesmo. E não no outro mundo, como prega o Nazareno. 



E assim, durante muitos anos, todas essas seitas tornaram-se religiões de origem cristã, fincadas nas doutrinas do Velho Testamento e seguiram seu curso.


Porém, como disse o Professor Leandro Gaffo, citando, inclusive, o sociólogo Rodney Stark, em cujo livro de sua co-autoria, “Uma Teoria da Religião”, demonstra muito bem demonstrado, essa teoria da Prosperidade logo foi dando espaço a uma nova doutrina, a Teoria do Domínio.

 

De acordo com essa doutrina, seguindo ainda as palavras encontradas no livro Primeiro da Bíblia, “Gênese”, o Homem teria sido criado na Terra para cuidar da criação divina (de todo o resto criado).


Mas, aí é que vem o caso: não teria sido só para cuidar, mas para dominar sobre toda a Criação, o que de plano já se mostrou uma análise um tanto quanto deturpada dessa “fala bíblica divina”.

 

Contudo, voltemos aos anos 60, a Billy Graham e a intenção real por trás do Governo Militar em trazê-lo para arrebanhar cristãos para essas novas seitas ou religiões cristãs...

 

É preciso lembrar que, na Igreja Católica, que até então reinava quase que sozinha no país, dado que as religiões protestantes, o kardecismo, as religiões de matriz africana e as filosofias orientais eram minoria, seja porque fossem mesmo, ou por puro preconceito (o que não será abordado nesse texto, pois estamos tentando demonstrar outro ponto, por ora).

 

O fato é que, com o Regime Militar, perseguições, censura etc., surge um movimento social de inspiração marxista, ou seja, de esquerda, dentro da Igreja Católica, chamado Teologia da Libertação, capitaneado por Frei Beto, Leonardo Boff entre outros, e isso acendeu um sinal vermelho (trocadilho ótimo para a situação) para os militares, e não parece nem um pouco “conspiratório” chamarmos esse movimento de trazer as seitas cristãs de Billy Graham e cia. (outro trocadilho? risos) para fazer frente a este “mal comunista” surgindo dentro da Santa Igreja que, naqueles moldes, não podia ser mais Santa.

 

Nesse sentido é que, também, aí dentro da Igreja Católica, surge o movimento antagônico ao da Teologia da Libertação, chamado de Renovação Carismática[2], para, claro, atender os interesses do Regime Militar, mas tentando evitar a evasão de fiéis para as religiões ditas Evangélicas.

 

Assim, voltando à linha principal da narração, o rumo que essas seitas, hoje religiões tomaram, e, no caso, também da permissividade da Renovação Carismática, que acompanha o voto de tudo que o Neopentecostalismo não católico defende, como que num Projeto de Poder[3], mesmo, eles souberam esperar.

 

Ora, ainda que o Regime Militar tenha encerrado em 1985, e mesmo não tendo quórum para possuir uma Bancada Evangélica, na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, e desde àquela época, souberam aguardar o seu lugar na política nacional.

 

Sim, souberam, afinal, à época, não houve quem impugnasse que a Constituição Federal de 1988 fosse promulgada perfeitamente laica, e assim viesse até os tempos de hoje, com base nos termos de seu artigo 19[4], por exemplo.

 

Ocorre que, não é nenhuma novidade, as denominações Neopentecostais e a Renovação Carismática católica passaram envidar todos os maiores e melhores esforços para eleger seus representantes no Congresso Nacional e, hoje, a Bancada da Bíblia (ou Bancada Evangélica) possui 228 integrantes, sendo 202 deputados federais e 26 senadores, segundo apurado pelo canal “Fala Sério, Tietê!”, junto ao Congresso Nacional.

 

Significa dizer, que uma série de pautas da direita, da extrema-direita, relativas à moral e doutrina neopentecostal, apenas, está sendo visada e, claro, pouco a pouco seus projetos vêm sendo aprovados, mesmo hoje, em pleno vigor de um Governo Federal (Poder Executivo) exercido por um partido (ou frente ampla, se preferirem) contrário a praticamente todas as pautas por eles defendidas.

 

Daí, quando vemos nas manifestações como as de 25.02.2024 em São Paulo, pessoas abraçadas à bandeira de Israel, passamos a entender o fenômeno. Homens e mulheres ligadas ao neopentecostalismo, que ao terem recebido a notícia de que Israel estava em perigo, fazem uma ligação mental com a Israel da Bíblia, aquela fundada em moldes específicos de uma figura bíblica igualmente específica. A do Rei Davi.

 

Percebam, não é na figura de Moisés, sábio que guia seu povo pelo deserto; não é na figura de Jó, paciente e possuidor de uma fé inabalável; nem do menino Davi que, com inteligência e astúcia derruba Golias; mas do Rei Davi que, ao desejar, possuir e engravidar Bet Saba, manda Urias para a front da batalha, tomando Bet Saba como uma de suas concubinas.

 

Mas, afinal, pode isso, Arnaldo? Sim, pode e é o que está acontecendo. O Senhor ungiu Davi e, ungido que era, podia tudo. Como podem todos aqueles que suas fés acreditam ter a mesma graça, ou seja, o mesmo sinal de escolhido divino.

 

Ora, daí decorrem situações complicadas e difíceis de se resolver a curto e médio prazo. Ou seja, de fiéis que, ao serem questionados sobre as fortunas angariadas meteoricamente por seus pastores (e também bispos, bispas e apóstolos), respondem de maneira simples e decidida que o dinheiro que deram a título de dízimo, deram a Deus! E não devem nada a Ele, quanto a isso.

 

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Portanto, se os pastores estiverem usando o dinheiro para enriquecer, ou é por merecerem (prosperidade) ou, se provada um fato real e terrivelmente criminoso, o problema é do pastor criminoso, não dele, fiel, que está em dia com suas obrigações para com o Deus.

 

Ou então, caso um de seus protegidos, ungidos, verdadeiros gideões da atualidade, seja pego numa fraude, num crime incontestável ou num golpe de Estado, simplesmente, viram e dizem que seu protegido é o escolhido e que nunca esperavam que ele fosse perfeito, quase que chancelando , autorizando, seus erros.

 

Desta forma, e não precisando entender da geopolítica complicada na região da Palestina, de como Israel tornou-se o Estado atual, de como é possível criticar um governo (que não é o Estado) de Israel, sem ser antissemita, ou seja, sem pensar em nada disso, evangélicos neopentecostais e católicos da Renovação Carismática, imaginando que o Israel bíblico é o Estado de Israel contemporâneo, e claro, pensando (um pouco, apenas) que Cristo, afinal, era judeu, compadecem-se do sofrimento hebreu nas pessoas das cerca de 1200 vítimas do ataque de Hamas, de 07/10/2023, em solo israelense.

 

E, no final, esse nem é esse o pior sintoma de que a Teoria do Domínio está dando certo. A pior face dessa teoria fica, mesmo, é nos discursos de gurus neopentecostais usando daquela interpretação fora da caixinha de que o Homem, que foi criado para dominar a Terra (e tudo o que há nela), deveria escolher seus líderes e, dentro de certos preceitos morais, segui-lo até o controle absoluto Estado; dos Estados, do Mundo!

 

Esse texto, certamente, causará algum burburinho pois parece atacar uma série de crenças de uma só vez. Porém, a análise pretendeu, antes, ser uma abordagem sociológica de uma movimentação que, ainda que venha a assumir o protagonismo que pretende, precisa de análise apurada e profunda, não devendo ser tomado como ataque à religião de ninguém, mas à ideia de que há um grupo que pretender que só exista uma (religião) certa e as outras todas, sejam as erradas.

 

O mais coerente seria que cada religião, que visa à melhora do ser humano, fosse certa e adequada para cada um de seus seguidores, sem prevalências, sem desrespeitos, sem Donos absolutos da verdade, sem Senhores da fé.

 

 


[1] Seitas não são necessariamente somente as demoníacas. Basta que seus rituais destoem em maior ou menor grau da religião de onde, originalmente, elas surgiram, o nome correto é seita.


[2] Sobre a Renovação Carismática não falaremos muito, pois só basta por ora, entender que ela se alia com o Neopentecostalismo não católico para quase tudo, incluindo na questão de apoiar a extrema-direita, estando no percentual de mais de 80%, por exemplo, na manifestação de 25.02.2024, na Av. Paulista, em São Paulo/SP.

[3] É o título de um livro de Edir Macedo

[4]  Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

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